Ok, ok, você venceu, Mr. M: vou contar aqui meu relato.
Em um mundo onde televisões são ligadas por aparelhos de controle remoto, jantares são esquentados em fornos de microondas e milhares de quilômetros são percorridos em meras horas dentro de aviões, uma vida confortável tornou-se commodity. Saímos de casa com a certeza de que vamos voltar e de que nada abominável e horrível irá acontecer.
Resumindo, sobrou muito pouco espaço para contato com um sentimento muito antigo que acompanha nossa espécie desde que ela desceu das árvores: o horror cru e pulsante. A absoluta sensação de que você está sozinho, inescapávelmente sozinho em um universo frio, escuro e indiferente.
Dito isto, vamos à minha história.
Era 1996, meados de Junho. Meu pai tinha uma casa em Amparo. Uma vez por mês, íamos passar uma noite por lá, fazer churrasco no dia seguinte e catar frutas no pé. Coisas bucólicas sortidas, enfim. Eu, na época com turbulentos 16 anos, chamava vários amigos meus, inclusive um, chamado Aristides.
Ok, o nome dele não é Aristides. Mas eu não sou homem de entregar meus amigos à constrangimento público. Aristides, pois.
Era uma sexta feira, eu me lembro bem. Estávamos todos já de mochilas prontas, meu pai já no elevador, querendo descer, e minha mãe nos chamando para fora da casa para poder fechar a porta. Mas Aristides estava com uma cara estranha.
"Preciso ir ao banheiro."
"PORRA, Aristides? Vai lá quando chegarmos."
"Não, não. Vai descendo que eu fecho a porta da casa."
"Duas horas pra sentir vontade de cagar e escolhe logo agora...tá bom, fecha a porta depois. Valeu."
Descemos e, 10 minutos depois, Aristides aparece com a chave na mão. Entramos todos no carro e fomos para a casa em Amparo. O final de semana fo bacana, nos divertimos bastante.
Voltamos na segunda de manhã. E, nossa empregada, Noemir(também um pseudônimo), já estava lá, como de praxe. Noemir sempre chegava muito cedo para limpar a casa. Quando abrimos a porta, a vimos sentada na mesa da cozinha. Noemir não estava feliz.
"Que cara é essa, Noemir? Segunda de manhã já com essa cara..."
Naquele momento eu sei como se sente um assassino diante da mãe de sua vítima. Posso dizer que conheço o olhar. Noemir levantou-se da cadeira sem falar nada e foi direto para o banheiro, parando poucas vezes para olhar para trás e ver se estávamos a seguindo.
Noemir abriu a porta do banheiro. Neste momento, virei ateu.
Ninguém deveria ser obrigado a fazer uma analogia de nada neste mundo com o esfíncter de um demônio. Mas as coisas não são como nós queremos e foi exatamente em tal ato que me peguei.
Vamos começar pelo som. Imagine dezenas de milhares de moscas frenéticas, executando uma coreografia macabra em um salão de dança. Uma rave de moscas. Uma missa de moscas.
Passemos agora para o odor. Bem, não vou florear nada desta vez: fezes. Fezes maturadas. Fezes que também são maternidades. Maternidades para milhares de moscas. milhares de moscas que estão dançando em sua maternidade.
E enfim, a visão. Gostaria eu de dizer que ao chegar na privada e olhar para o vaso com a maior cagada do mundo eu tive um vislumbre do inferno. Mas isso seria uma tentativa infantil de poupar você do que eu, de fato, vi. Você sabe que está olhando diretamente para o inferno, que está batendo um sério com o Abismo quando o seu banheiro é uma tela onde uma obra-prima foi pintada. Pintada com merda. Havia merda no chão. Havia muita merda nas paredes. Havia um pequeno morro de merda amontoado no meio do chuveiro. Havia merda no espelho, com marcas de digitais. Havia merda na toalha e no teto. Meu Deus, no teto...
E também havia um pouco de merda na privada.
As moscas nos receberam com um abraço caloroso assim que a porta se abriu, o cheiro fez o mesmo logo em seguida. Noemir foi embora. Não pediu demissão, mas foi embora naquele dia. Ninguém teve coragem de pedir a ela que limpasse aquilo. Coube ao meu pai e à minha mãe consertar aquela situação. Dois dias depois, o banheiro já nao parecia mais uma catedral satânica.
Nunca mencionei o ocorrido com Aristides. Passei a sentir um profundo medo dele após o evento, e preferi fingir que tudo foi um sonho ruim. Mas, fiz questão de ter cada vez menos contato com ele depois disso.
Neste momento você deve estar com uma careta do tipo "Ahã, tá bom. Mentira fodida..." e tudo o que eu posso fazer é sentir uma profunda inveja de você.
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ResponderExcluiressa afoi boa demais.......