quinta-feira, 9 de julho de 2009

Porta de banheiro



Certas coisas são tão naturais para a gente, tão óbvias, que eventualmente podemos passar a vida inteira sem jamais refletir sobre elas. Nós, homens, por exemplo, estamos tão habituados a frequentar banheiros públicos, que provavelmente nunca chegamos a nos dar conta da importância de certos adereços arquitetônicos que deles fazem parte. As placas de mármore que separam as bacias sanitárias (mijódromos) ou as portas dos sanitários (cagódromos) são dois exemplos disso.


Falando francamente, vivi 30 anos sem entender a importância daquelas plaquinhas que separam as pessoas que estão tirando água do joelho em banheiros masculinos. Macho que é macho não liga para essas coisas, embora eu ache condenável o camarada mijar num poste à luz do dia como qualquer cachorro.


Há alguns meses, porém, fui ao banheiro antes de uma sessão de cinema, e este banheiro não tinha nenhuma divisória. Normal, nunca tinha feito a menor diferença ter ou não ter mesmo. Só que nesse dia tinha um garoto ao meu lado, que devia ter, sei lá, uns 6 ou 7 anos de idade. E mal eu abri o zíper, o moleque começou a olhar fixamente para minhas mãos, inclusive aproximando o rosto.


Este é o tipo de situação para a qual ninguém te prepara. Olhei para o moleque sem acreditar, mas ele continuava lá, entretido como uma mulher esperando pelo último capítulo de uma novela. Diante da situação, só consegui fazer uma coisa: guardei o bilau de novo, fechei o zíper e fui lavar as mãos. Vi o filme inteiro apertado.


A partir daquele dia comecei a pensar sobre essa indústria da vergonha. Me dei conta de que tem gente ganhando grana fabricando estes objetos, cuja única função é evitar que o sujeito fique humilhado na hora de fazer suas necessidades fora de casa. Porque é fácil o cara dizer que não tem vergonha nenhuma, e falar que mija em qualquer lugar. Moleza. Agora, eu quero ver se ele faz isso, com uma criança ou uma bicha olhando fixamente para o brinquedo dele. Aí a coisa muda de figura.


Cagar então nem se fala, né? Até cachorro, quando eu vejo cagando na rua, fazendo aquela careta que parece um sorriso do coringa, eu tiro os olhos por constrangimento. Fala sério, aquilo é humilhante...

Certa vez um de meus irmãos, voltando de uma noitada domingo pela manhã, começou a sentir a diarréia armando no caminho de casa. O quadro evoluiu rapidamente, a ponto dele arriar as calças e cagar no meio da rua, como um cão mesmo. Claro, domingo, 7 da manhã numa rua pouco habitada, a chance de ser visto era mínima, correto?

Errado! Em pleno ato, acocorado e tão humilhado quanto um homem pode estar, ele olhou para o lado e lá estava ela, a moradora da casa ao lado, olhando sem acreditar no que via. Veja bem: era uma mulher que o conhecia desde criança, e com a qual ele forçosamente teria que conviver ainda por muito tempo e diariamente. Meu irmão ainda desviou os olhos e começou a olhar para as nuvens, como se não tivesse percebido a expectadora, mas o estrago a essa altura já estava feito...


Realmente, seria muito chato ter que cagar num banheiro sem porta, ainda mais se os sanitários não fossem separados por sexo. Imagine isso! Aquela mulher linda que vc se apaixonou lá, fazendo... bom não imagine não. Mas aí chegamos a uma pergunta inevitável: por que vagabundo tem mania de fazer porta de banheiro público incompleta?

Pomba, o cara tá lá, fragilizado, vulnerável, querendo morrer, fazendo de tudo para não fazer barulhos nem exalar odores putrefatos, torcendo desesperadamente para todo mundo sair do banheiro apenas por um instante, para que ele possa abrir a porta sem se sentir extremamente humilhado. E como se não bastasse tudo isso, ele ainda tem que conviver com o fato de que a porta não o encobre totalmente, deixando à mostra seus pés, e as calças arriadas. Porra, isso tudo é para economizar material?

Alguém pode argumentar que a razão seja para facilitar a averiguação da quantidade de pessoas lá dentro, mas para isso existem roletas, cacete! E se o caso é mostrar que "tem gente", isso poderia perfeitamente ser resolvido com alguma indicação visual, como nos banheiros de ônibus, sei lá.

O caso é que esse sentimento de vergonha e humilhação é tão forte e inato ao ser humano, que motivou a utilização destes acessórios mundo afora, e fez muita gente ganhar a vida através de sua fabricação.

Portanto, meu caro, quando você olhar para uma porta de banheiro, ou uma divisória de bacia urinária, tenha em mente que o que você está vendo não é o objeto em si, e sim a materialização de uma sensação medonha e horrorosa que acompanha nossa espécie desde que Eva e Adão comeram o fruto proibido e perceberam que estavam nus.

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