terça-feira, 14 de dezembro de 2010

FELIZ DEMAIS - Parte 2


Já estava com saudades de escrever aqui no blog, e acho que o post de ontem, sobre o fetiche da felicidade constante em redes sociais e programas de bate-papo, foi uma boa senha para uma nova contribuição. Afinal, tenho uma opinião bastante formada a esse respeito.

Conversando com alguns amigos eu tenho notado que aquele grande tabu de nosso tempo, descrito por Foucault como sendo a morte, tem aos poucos se ampliado para qualquer tipo de infelicidade.

Não sei se por influência da televisão, mas com certeza já sob efeito da internet, estamos vivendo uma época na qual as pessoas não se restringem mais a encontrar-se esporadica e erraticamente nas ruas, ou em raros eventos de grupo. Não, hoje a pessoa que faça parte das redes sociais acaba ficando em contato constante com boa parte das pessoas que conhece, e com as pessoas que essas pessoas conhecem.

De certa forma é a concretização da metáfora do panopticon, sem o caráter de prisão que o conceito original trazia. No restante, contudo, especialmente o aspecto de todos vigiarem todos, se encaixa à perfeição.

E daí ocorre que as pessoas - não apenas as mulheres, embora nelas geralmente esse efeito se observe num grau um tanto mais elevado - entrem nessas comunidades não apenas para verem, mas também para serem vistas. Nossa natureza é competitiva, está em nosso DNA disputar atenção, buscar a conquista de possíveis parceiro(a)s. E com isso, as páginas de perfil pessoal acabam se tornando uma espécie de outdoor de si mesmo, uma pequena peça publicitária pessoal.

A vida se inverte, e o que era para ser um mero registro acaba virando um fim em si mesmo. Absurdos se tornam naturais, como a pessoa viajar nas férias já pensando nas fotos que irá colocar no orkut quando voltar. Já ouvi mais de uma vez, por exemplo, histórias de pessoas que chegaram a praias famosas num dia de chuva, e deram um mergulho totalmente forçado, apenas para que pudessem ser fotografas naquele lugar que dá prestígio. No fundo, já tinham ido lá pensando apenas nisso mesmo.

E então as pessoas precisam malhar, porque precisam colocar fotos bonitas. Afinal todo mundo tem, não tem? E precisam conhecer lugares interessantes ou 'da moda' - e claro, precisam colocar suas fotos nestes lugares.

Mas nada disso basta. Por alguma razão, também parece acrescentar algum valor à sua página a inserção de trechos descontextualizados de letras de música em inglês, embora francês tire mais onda ainda. E lá vão as pessoas, copiando e colando frases de teceiros, tentando demonstrar ao mesmo tempo espasmos de erudição, e afinidade com as mensagens sempre positivas - e tantas vezes baratas - que são postadas.

E daí que todo mundo precisa parecer estar feliz o tempo todo, porque afinal estamos falando de publicidade, não de realidade. No orkut, no MSN, ninguém nunca está triste, ninguém nunca está deprimido ou sem planos para o fim de semana. De forma alguma! Afinal, aquilo não reflete a realidade de nossos dias, e sim a de nossos sonhos. Você, no orkut, é a pessoa que gostaria de ser. Está ao lado de pessoas famosas ou semi-famosas em fotos, está em shows interessantes, em praias paradisíacas ou na Europa. Está sempre sorrindo, sempre se divertindo.

Não que eu esteja aqui criticando este comportamento, pois o considero plenamente natural. Não espero aqui que ninguém vá postar fotos feias, ou de momentos tristes ou humilhantes. Não sou tão ingênuo. O problema, a meu ver, começa quando a gente se esquece que aquilo tudo é publicidade, que é tudo uma disputa por parceiros ou status tão basal quanto a que ocorria dentro das cavernas nos tempos da clava na cabeça, e começa a confundir orkut, facebook e cia com a realidade.

E, olha, quase todo mundo confunde.

Note, por exemplo, o desespero que toma conta das pessoas quando elas tomam alguma rasteira da vida. Primeiro, tornou-se algo extremamente ofensivo sentir pena de alguém. Na televisão sempre vemos isso, personagens dizendo que não querem que sintam pena deles. E os macacos de imitação, aqui fora, seguem a receita.

Ora! Quando eu estiver ferrado na vida, quero sim - e muito - que as pessoas sintam pena de mim e me ajudem. Acho isso super humano, aliás, é uma qualidade que contribui inclusive para a preservação da espécie. Dane-se se naquele momento eu estou mal, e o próximo está bem. Pro inferno com meu orgulho, eu quero é ajuda. Que loucura tudo isso! Que loucura um mundo no qual se compadecer de alguém se tornou algo ofensivo!

Abraçando-se ao mundo dos sonhos com medo de encarar a realidade tal qual um náufrago se prende a uma bóia, vejo inúmeras pessoas desesperadas tentando o tempo todo passar a mensagem de que estão no controle das próprias vidas. "Fui demitido? Sim, mas estou feliz demais. Preciso berrar isso a plenos pulmões, para que todos entendam que fui demitido, mas isso foi o melhor para mim, não fiquei por baixo. Ao contrário, estou curtindo a vida, ainda tenho dinheiro para viajar. Praticamente saí de lá porque quis."

"Ah, levei um pé na bunda? Levei, mas estou feliz demais! E preciso dizer isso a todo mundo, para que percebam que estou sozinho(a) por opção, e não por falta de. Poderia ter alguém bacana se quisesse, sou atraente, não estou abandonado ou largado". E então é importante lascar letras de música autohipnóticas, como a pérola do Jammil e uma noites: "Sou praiero, sou guerreiro, tô solteiro, quero mais o quê?"

Fala sério... Sou praieiro? Sou guerreiro!!!??? E a parte do solteiro então... Cara, sem qualquer exceção, todo mundo que entra nesse processo de negação está desesperadamente querendo se livrar da solidão, e deste incômodo estatus que eles próprios olham com preconceito. Como se todo mundo que está solteiro estivesse largado, fosse menos atraente, ou algo assim. Todas estas mesmas pessoas, de maneira patética e constrangedora, descansam aliviadas quando voltam a namorar, quem quer que seja.

E aí postam que estão feliz demais, embora mudem a letra da música para algo mais romântico. E os amigos que eram suas próprias sombras nas viagens e baladas, que eram elevados como as pessoas mais fiéis do mundo, amizades eternas, bem... É claro que já não há mais espaço para eles.

Penso, portanto, que seja pertinente um questionamento sobre a forma como estamos deixando essa natural ferramente de publicidade pessoal, que são os sites de relacionamento, se transformarem numa espécie de guia comportamental ilusório. Da forma como a coisa está eles geram pânico e frustrações íntimas, negações subconscientes, a quem percebe que a sua própria realidade cotidiana não corresponde ao que é visto em sua página pessoal, mas não percebe que é assim com todo mundo.

2 comentários:

  1. ‎"Big Brother is watching you" já dizia George Orwel!
    As pessoas negam, mas gostam da vigilância, o...talvezu todos nós sejamos um pouco "voyeur". E admito, adoro ver fotos de páginas de relacionamento, embora não acompanhe a novela da vida dos outros.
    De fato não entendo a exposição barata.

    Não troco por nada o contato direto com meus amigos, jogar conversa fora, reunir-se para curtir uma comidinha japonesa....hehehehe

    O engraçado é isso: as redes sociais aproximaram quem estava longe e afastaram aqueles que estão perto.

    Fato é que a globalização nos trouxe também a ditadura da beleza, da magreza, de sermos ecologicamente corretos e finalmente, a ditadura da felicidade! Que saco! Tem dias q não estou legal, q não quero papo, e daí, não posso ser assim?!

    Desculpe, mas não sofro de pseudofelicidade aguda! Graças a Deus!

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  2. É a nova tendência. Antes, nós prezávamos pela nossa privacidade. Agora nós expomos nossa privacidade até se tornar público. O novo milênio nos leva em direção à publicidade pessoal. A moda agora é a fama. Por isso que realitys shows como BBB são tão...''famosos (?)"

    A ideia de se reportar o tempo todo para a sociedade e sempre maquiar a realidade, mostra o quanto estamos escravos à sociedade do espetáculo. Somos artistas de nossas vidas que são novelas acompanhadas o tempo todo pelos veículos criados por nós mesmos. (Orkut, Facebook, Twitter e etc, etc e tal) Avaliamos nosso "IBOPE" pelo número de visitantes ou seguidores.

    Quanto mais melhor (?)

    Até onde isso vai?

    Vai saber?

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